segunda-feira, 1 de março de 2010

Crónica Santiago 2010

Após termos percorrido nos últimos dois anos o “Caminho Português”, tinha ficado decidido que este ano iríamos descobrir um novo caminho que nos levasse á Catedral de Santiago de Compostela. Este ano o objectivo seria fazer os 220 km finais da denominada “Via da Plata” que é um caminho que se inicia na cidade espanhola de Sevilha e termina na cidade do Apóstolo Santiago. Para tal o grupo constituído por 8 pessoas decidiu efectuar três etapas estando previsto a primeira (Sábado, 13 de Fevereiro de 2010) ligar a cidade de Chaves até Ourense (94 km), no Domingo dia 14 faríamos de Ourense até Sileda (81 km) e por fim no dia 15 seria a etapa final que faria a ligação de Sileda até Santiago de Compostela (46 Km).

1º Dia: Chaves – Sandias (75 km)

Eram 05:30 quando os primeiros elementos do grupo se juntaram para começarem a acondicionar todo o material necessário na viatura de apoio que os iria acompanhar. A tarefa não era fácil, visto ser necessário colocar na nossa menina (Citroeen C25) 8 bicicletas (uma por cada ciclista e uma de reserva para o caso de uma avaria que não fosse possível resolver), sacos de viagem de 8 pessoas, 30 litros de água, 20 kg de fruta, material de primeiros socorros, ferramentas, sacos camas, etc.…
Além deste material a carrinha teria que transportar ainda oito pessoas até Chaves e nos últimos dias ela tinha andado “meia doente”, pelo que estávamos um pouco receosos!
Ao fim de algumas tentativas, lá conseguimos apertar tudo bem apertadinho mas tivemos que abdicar da bicicleta de reserva porque definitivamente, não cabia mesmo. Digamos que até Chaves fomos tipo “sardinha em lata” mas a nossa menina não se queixou…è uma grande máquina!
Eram 06H00 e estávamos a arrancar da Junta de Freguesia de Margaride mas ainda tínhamos que fazer uma paragem muito importante. Era necessário levantar o almoço que havia sido reservado de véspera num estabelecimento comercial da cidade. E agora, onde pomos os bolinhos, os rissóis, os panados e a bola? Bem, isto é que não pode ficar em terra, aperta mais um bocadinho e lá vamos nós…
Ainda era de noite e lá seguimos em direcção a Fafe para ai entrar na auto estrada que nos levaria até Chaves, onde teríamos que nos dirigir á Sé Catedral onde ás 07H30 estaria o senhor Padre para nos carimbar a credencial que atesta a nossa viagem com o primeiro carimbo. Ele tinha nos pedido para não atrasarmos visto que ás 8 horas teria lugar a missa e não queria perturbar a mesma… Nasceu o dia, e começámos a perceber que havia muito gelo nos terrenos que ladeiam a auto-estrada, mas na nossa menina parecia uma sauna, nem sei se era do aquecimento ou do aperto em que nos encontrávamos…
Chegados a Chaves, foi uma correria para a Sé uma vez que eram 07:50 e lá estava o Sr. Padre á nossa espera para o respectivo carimbo e para nos desejar “Bom Caminho”. De seguida retirámos as bicicletas da carrinha, equipámos e fomos tomar o pequeno-almoço a um dos poucos cafés que se encontravam abertos… Um leitinho quente para aquecer uma vez que estavam 4º graus negativos! Despedimo-nos do nosso condutor, marcámos encontro em Verin e demos inicio ao caminho pelas margens do Rio Tâmega até á fronteira com o pais vizinho. Entrámos em Feces de Abaixo (Espanha) e lá estava a nossa viatura e respectivo condutor para a eventualidade de precisarmos de algo. Tal não foi necessário pelo que continuámos em direcção a Verin, tendo sentido neste trajecto algumas dificuldades em virtude da deficiente marcação do percurso. Contudo lá continuámos a desfrutar da paisagem e do frio tendo almoçado no albergue de peregrinos de Verin, onde aproveitámos para carimbar a credencial. Aqui, teríamos que optar por um de dois caminhos possíveis na direcção de Allariz e consultados alguns locais decidimos seguir via Xinzo uma vez que é o mais curto e já estávamos a fora de horas para chegar a Ourense neste dia. Retomámos a jornada mas passados 5 km tivemos o primeiro percalço: a montada do Nuno decidiu furar! Resolvido o furo continuámos e começamos a perceber que ia ser difícil chegar a Ourense neste primeiro dia uma vez, que as más marcações, os trilhos cheios de água e lama tinham nos feito atrasar um pouco e corríamos o risco de ter que fazer os últimos quilómetros de noite e arriscávamos também chegar a Ourense e não ter onde pernoitar uma vez que os albergues são ocupados por ordem de chegada, e nós como nos fazíamos transportar de bicicleta perdíamos a prioridade para os peregrinos a pé e a cavalo. Passamos na localidade de Cea onde tivemos a oportunidade de experimentar o pão local que é muito conhecido na Galiza e diga-se por sinal, estava bastante quentinho e delicioso… A noite aproximava-se pelo que decidimos encurtar a nossa jornada e ficar em Sandias. Chegados ao albergue telefonámos para o responsável que veio tratar da nossa instalação, lavámos as bicicletas, lubrificámos, e seguiu-se o nosso merecido banho e jantar onde tivemos a oportunidade de provar a sopa galega. Após o jantar recolhemos ao albergue para o descanso uma vez que no dia seguinte teríamos que recuperar o tempo perdido.

2º Dia: Sandias – Bandeira (Lalin) 100 km

O dia começou gelado, os campos estavam completamente branquinhos da geada e os quilómetros iniciais foram um verdadeiro tormento devido ao frio. Quando parámos para comer alguma coisa as mãos estavam tão frias que até doíam e quase que não conseguiam travar… Venha lá esse leitinho quente a ver se começamos a aquecer. O café escolhido tinha estado toda a noite aberto em virtude das festas de Carnaval muito apreciadas na Galiza e fomos servidos por um homem que aparentava já não dormir á uma serie de tempo, mas com uma extrema simpatia apesar das circunstâncias lá nos atendeu e nós conseguimos aquecer um pouco. Estávamos tão bem no interior do café que nem apetecia ir para o frio, mas tinha que ser e retomámos o caminho. Este segundo dia foi extenso e de verdadeiro btt. Atravessámos cordilheiras montanhosas, grandes subidas seguidas de extensas decidas, calçadas romanas com fartura, pontes medievais, rios, neve, enfim foi um dia que teve de tudo um pouco para os amantes deste desporto. Chegados a Ourense dirigimo-nos á Sé Catedral para mais um carimbo e podemos atestar a beleza deste monumento. Recomenda-se uma visita mais descontraída uma vez que não podemos perder aqui muito tempo. Saímos de Ourense por uma ponte romana sobre o rio Mino em direcção a Cudeiro onde fomos presenteados com uma subida em alcatrão com cerca de 5 quilómetros e 12% de inclinação! Escusado será dizer que quando chegámos ao topo, já ninguém tinha frio mas mesmo assim resolvemos fazer uma paragem para provar o polvo cozido que um casal estava a vender junto á estrada. Vieram dois pratos: um com e outro sem picante e o que vos posso dizer é que ambos estão aprovados. Continuando viagem uma vez que ainda tínhamos bastante para pedalar seguiram-se umas decidas alucinantes para logo depois entrarmos no território das calçadas romanas. Foram várias as que atravessámos por entre aldeias perdidas no meio das serras! A paisagem era deslumbrante e de repente num vale imenso deparamo-nos com um mosteiro do Sec. XII que nos obrigou a fazer uma paragem mais prolongada: O Mosteiro de Oseira. Aproveitámos para o contemplar, fotografar e uma vez que as nossas famílias que vieram ao nosso encontro desde Portugal estavam nas proximidades resolvemos aguardar mais um pouco naquele belo local para almoçarmos todos juntos. Assim, após a “merenda feita” a companhia foi desfeita e seguimos a nossa viagem rumo ao concelho de Lalin mais propriamente á localidade de Bandeira onde chegámos já ao anoitecer e fomos acolhidos num excelente albergue onde apenas tivemos a companhia de um peregrino português. Tinha sido um dia cansativo uma vez que os conta-quilómetros marcavam 100 km percorridos num terreno bastante difícil. A rotina do dia anterior repetia-se e era toda a gente a lavar as bicicletas, afinar e por ultimo o merecido banho. Seguiu-se o jantar novamente com os familiares que rumaram de Portugal num restaurante brasileiro onde fomos muito bem atendidos e por volta das 22 horas espanholas estávamos de regresso ao albergue para descansar e as nossas visitas ainda tinham uma longa viagem de regresso a Felgueiras para efectuar…

3º Dia: Bandeira – Santiago de Compostela (55 km)

Ao acordar repara-mos nos raios de sol que entravam pelas janelas do albergue…Eram um bom pronuncio e deixava-nos na expectativa de que o frio tinha acabado… Quando tudo estava pronto e viemos para o exterior efectivamente reparamos que a temperatura tinha subido e que o sol raiava como se estivesse ali para nos ajudar na etapa final. Nesta fase nas nossas cabeças só estava o objectivo da chegada á “Praça do Obradoiro” e ignorávamos as dores das costas, das pernas, do rabo, enfim isso era físico e foi facilmente ultrapassado pelo factor psicológico!
Esta etapa era mais curta e as grandes dificuldades técnicas estavam para trás, uma vez que já estávamos relativamente perto de Santiago e o percurso deste dia passava por muitos estradões largos, com rectas de quilómetros de extensão que suavemente nos aproximaram do nosso objectivo. Por volta das 13 horas o grupo estava a entrar na zona histórica de Santiago rumo á Catedral, onde chegados sentimos mais uma vez aquela sensação indescritível de missão cumprida, felicitámo-nos uns aos outros pelo companheirismo e entreajuda nesta viagem e fizemos promessas de para o ano a repetir. A motivação para efectuar os caminhos é da mais diversa ordem mas quando se conclui sente realizados, felizes, orgulhosos e com uma alegria imensa. A fotografia da ordem foi tirada e rumamos á oficina do turismo para por o ultimo carimbo na nossa credencial e para nos emitirem a “Compostela” que é tipo um diploma que confirma a nossa viagem. De seguida fomos tomar um merecido banho, acondicionar novamente todo o material e bicicletas na nossa carrinha e rumar a terras lusitanas, onde manda a nossa tradição que se faça uma paragem lá para os lados de Valença para “destruirmos” um Leitão que está lá sempre á nossa espera… Após 3 dias a comer barras energéticas e a beber Isostar, é uma boa recompensa…
À mesa mostram-se fotografias, contam-se histórias e planeia-se a próxima viagem, é um alegre convívio que antecedeu a chegada a Felgueiras por volta das 22 horas. Mais uma vez foi uma viagem que muito nos agradou e nos nossos planos para o próximo ano está efectuar o “Caminho Francês” que começa em Saint Jean Pied de Port e continua Roncevalles, Pamplona, Puente de la Reina, Arcos, Logroño, Nájera, Burgos, Fogão Trail, Carrión de los Condes, Sahagún, Burgo Ranero, Villadangos del Páramo, Leon, Astorga, Rabanal del Camino, Molinaseca, Villafranca del Bierzo, Samos, Portomarín, Palas de Rei, Arzúa, Monte do Gozo e Santiago.

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