terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Freeride : Há quem o pratique pelas colinas de Lisboa

magens/waynegoss.jpg" não pode ser mostrada, porque contém erros. Eles não gostam de descer escadas com as pernas! E quem diz degraus diz bancos de jardim, corrimões, paredes e demais obstáculos que poucos se atreveriam a transpor em cima de um veículo de duas rodas. Eles podem ser poucos. Há quem insista que são malucos. Mas nada os demove de sentir a adrenalina nas veias sempre que se abeiram da vertigem.

Image

Guilherme Botto tem oito anos. Sim, leu bem. Oito anos. E se há miúdos com oito anos que ainda não largaram as rodinhas de apoio com medo de se estatelarem, Guilherme lança-se escadaria abaixo como se não houvesse amanhã. A culpa é do pai. Rui Botto tem 43 anos e fala com orgulho das aventuras do filho, que o acompanha neste desporto sem rede chamado Freeride.

Image
Guilherme Botto tem oito anos

E o que é isto, afinal? Digamos que é uma espécie de BTT (Bicicleta Todo-o-Terreno) mais arrojada. Aqui a ideia de todo-o-terreno é levada muito a sério. E significa mesmo que qualquer terreno é transponível, mesmo o que se supunha vedado a biclas.

“É um BTT mais agressivo”, explica Bruno Santos, um dos membros do clube de Freeride. Sim, um clube. Não se pense que a modalidade é coisa inventada por meia dúzia de radicais desvairados, há meia dúzia de meses. “O Freeride foi criado há cerca de oito anos no Canadá. E o Clube Português de Freeride [www.cpfreeride.com] foi fundado em 2002. Esta modalidade é, no fundo, um estilo livre que tem como objectivo fazer com que os seus participantes se desafiem a si próprios, fisica e psicologicamente.”

Image
Radicais desvairados???

Lá que é um desafio, é. Mas a gente vê o miúdo a precipitar-se e pensa: “E se ele cai? E se parte os dentinhos todos? Ou pior? O pai não pensará nisso?” Diz que não. “Sabe como é. Os miúdos não têm a mesma noção do perigo que nós. E, também por isso, evoluem mais. São muito melhores que nós.” Mas se eles não têm noção do perigo, já os pais... Rui Botto não se atrapalha: “Às vezes gela-me um bocadinho o sangue, claro. Também já parti a clavícula, já parti os dedos, já lixei este ombro todo. Mas ele sabe que o importante é termos a consciência do que somos ou não capazes de fazer. E sabe que se sentir que não consegue, desmonta e leva a bicicleta a pé.”

Image

Mas o objectivo primeiro do Freeride não é andar a galgar elementos de urbanidade. A ideia original é contribuir para uma abordagem do desporto em conjugação com a natureza. É no meio do arvoredo que o pessoal mais gosta de se pôr aos saltos. Bastam uns montes de terra, uns troncos de árvore, uns caminhos feitos com paus suspensos e está feita a festa. E quando se começa, o difícil é deixar o vício. Ao fim-de-semana é quase certo que os freeriders vão para Sintra, para o Jamor ou para o Monsanto à procura da adrenalina de que precisam.

Image

Mas como os fins-de-semana demoram a chegar, há quem não se aguente. E foi assim, com esta sede do precipício, que alguns grupos começaram a organizar-se para deslizarem pelas colinas de Lisboa. Depois de acabar o trabalho de uns e a escola de outros, a rapaziada sai em bando direito aos pontos mais tresloucados que imaginar se possa. Há quem se abalance pelas escadas do metro do Chiado. Do C-h-i-a-d-o! Um cidadão propenso à vertigem já se agonia só de ir quietinho nas escadas rolantes, de mão firme no corrimão. Mais radical que isto só escorregar pelas pirâmides do Egipto.Os melhores spots de Lisboa são as íngremes ruelas de Alfama, os elevadores do Lavra, obstáculos vários no Parque das Nações e escadarias escarpadas em geral.

Image

Não são os oito anos de Guilherme Botto que o impedem de acompanhar o grupo noctívago que se junta às 20.30 para só regressar a casa perto da meia-noite. E também não são os seus oito anos que o travam de se atirar como gato a bofe pelas Escadinhas do Duque, a contornar mesas de restaurantes ondulando o corpo como uma cobra. Medo? “Às vezes tenho. Mas depois respiro fundo e lá vou eu! E o meu pai até fica com a boca aberta!”
Não é só o pai que fica incrédulo. Quem passa pelos freeriders – ou quem, sentado a uma mesa, os vê passar a alta velocidade – raramente consegue ficar boquiaberto e exclamativo. “Vai, vai!”, diz um morador de Alfama, de estômago protuberante, que jamais seria capaz de se montar numa bicicleta quanto mais sentir as nádegas a vibrar como loucas e a o corpo perigosamente tombado para a frente com a força bruta da gravidade. “Olha, este está com medo! Então, rapaz? Deu-te a cagufa, agora? Dá-lhe, vá! Eu cá sempre quero ver se chegas lá abaixo com os ossos todos no sítio! Isso é que eu quero ver! Ehehe! Malucos do camandro!”

Image


Os malucos das bicicletas estão habituados a ouvir de tudo. Há os que gostam de os ver a desafiar a gravidade, há os que têm esperança de os ver enfaixados num poste, há quem os insulte, e depois há quem se limite a ficar especado, a vê-los passar. Ao que parece, os turistas gostam sempre. E aplaudem.
Rui Botto diz que não há como o Freeride para descontrair. Porque ali “não se pensa em mais nada”. Não se pode pensar em mais nada. E sublinha que não há melhor para cuidar do corpo e da mente. “Há um lado de superação pessoal. Uma pessoa sente que melhora, sente o ego crescer porque cada vez vai conseguindo ultrapassar mais obstáculos. Depois, claro, é quando nos sentimos mais seguros que estamos mais perto de cair.”

Image

As bicicletas destes freeriders não têm apetrechos esquisitos. Mas não custam menos de 1500 euros. Têm de ter suspensões muito boas, pneus muito bons e, adivinhe? Travões muito, muito, mas mesmo muito bons. A menos que o objectivo seja divertir o morador sádico de Alfama, a cofiar o bigode enquanto aguarda o momento em que o primeiro vai derrapar, fazendo cair todos os outros, numa amálgama de pernas e braços e rodas. Naquela noite isso não aconteceu. E o senhor de barriga insuflada sorriu e acenou com a cabeça: “Sim senhor. Os gajos são bons. Eu é que não me metia nisso! Chiça!”

Fonte: Revista Timeout - Clube Português de Freeride

Sem comentários: