sábado, 16 de fevereiro de 2008

Beneficios económicos da troca de automóvel por bicicleta

Um texto de opinião, publicado no jornal "Notícias de Viseu", de Nuno Bento (Estudante de doutoramento em economia na Universidade de Grenoble).

São feitas as contas da poupança de trocar o automóvel pela bicicleta nas pequenas deslocações urbanas, quantificando também o seu impacto na economia local.


A minha comunidade vai sobre rodas

Será possível combater, simultaneamente, os problemas das alterações climáticas, da qualidade do ar e do emprego, sem exigir maiores sacrifícios às famílias? Sim, é possível e desejável. Até o cidadão mais desatento já se apercebeu dos efeitos das alterações climáticas. Os Invernos são cada vez mais curtos, os Verões cada vez longos, e os picos de calor e de frio são cada vez mais acentuados.

Por outro lado, é cada vez mais evidente o aumento do tráfego na cidade, e os inconvenientes que daí advêm. Engarrafamentos: “hora de ponta” era algo que os Viseenses não conheciam até há pouco tempo. Por falta de estacionamento, somos forçados a estacionar o automóvel cada vez mais longe do centro da cidade. No entanto, no meu entender, o problema mais grave reside na degradação da qualidade do ar que atinge proporções preocupantes.

Não acredita?, experimente ir ao Rossio a um dia de semana, a um Domingo e a um dos dias sem carros, e sinta a diferença. Atrás da degradação da qualidade do ar vêm geralmente as doenças respiratórias (bronquites, problemas asmáticos, etc., para não citar as piores). E, finalmente, a subida dos preços dos combustíveis que retira à generalidade da população poder de compra. Perante esta situação, algumas soluções vêm logo ao espírito. Uma delas passa pelo reforço da qualidade dos transportes públicos. Trata-se de uma medida inevitável para responder à necessidade de mobilidade das pessoas, diminuindo assim o tráfego e a poluição.

Apesar dos benefícios colectivos, esta medida não protege as famílias dos aumentos nos preços dos combustíveis. Pela primeira vez, os incentivos individuais e colectivos convergem para aquilo que é um comportamento socialmente sustentável. Ao preço actual dos combustíveis (praticamente 1,5 € o litro de gasolina), as pessoas redescobrem o interesse de pegar na bicicleta para as deslocações diárias na cidade. Considere o caso de uma pessoa que faça em média 10 km por dia em deslocações na cidade.

Ao final do ano, essa pessoa terá feito cerca de 3.600 km. Consideremos agora que o seu automóvel consome em média 10 litros de gasóleo por cada 100 km, ou seja, 360 litros por ano. Ao preço médio de 1,3€ o litro, essa pessoa terá gasto 468 euros no final do ano. (Por cada 10 cêntimos de aumento do gasóleo, a factura anual aumenta de 36 euros!) Considerando que a pessoa possui bicicleta e que, portanto, não incorre em despesas adicionais com essa aquisição, e se em 40% das suas deslocações a mesma pessoa trocar o carro pela bicicleta, ela estará a poupar 187,2€ por ano.

O leitor poderá pensar que é pouco, mas não vai achar estranho que por cada lar existam não um, mas dois condutores. Assim, a poupança anual por agregado familiar seria de 375 euros. É dinheiro! No entanto, é muito provável que: encontre alguém que percorra mais de 10 km por dia em deslocações diárias na cidade, desde logo porque a cidade se alarga para a periferia; o consumo do veículo seja maior (no caso de ser, por exemplo, a gasolina); o preço dos combustíveis continue a aumentar (quanto faltará para chegar aos 1,50 €?); etc. Ou seja, é muito provável que a poupança anual possa vir a ser bem superior aos 375 €. Mas ainda só chegámos ao meio da história. O desenvolvimento sustentável passa pelo desenvolvimento local.

Se dos 375 €, 20% servirem para reforçar a poupança, e os restantes 80% para consumo no comércio de proximidade e/ou em produtos locais, tal significa um acréscimo de 300 € por ano e por agregado familiar canalizados directamente para o estímulo da nossa economia local. Se este exemplo for seguido por outras 100 famílias, o aumento das vendas locais será de 30.000€. Mas se 10.000 agregados familiares usarem a bicicleta (praticamente 1 em cada 5 famílias), a economia local será dinamizada de uns 3.000.000 € (600 mil contos)! O comércio tradicional terá assim os meios necessários para se modernizar (produtos, logística, marketing, venda pela internet, etc.), tornar-se mais competitivo e gerar empregos de qualidade. É toda a economia local que é dinamizada, sem aumento de impostos, apenas com uma mudança no comportamento das pessoas.

Para já não mencionar os benefícios colectivos (menos poluição, menos ruído, menos tráfego, etc.) de que todos usufruirão. Só com criatividade e audácia se podem transformar obstáculos em oportunidades. Viseu tem agora a oportunidade de se tornar num dos locais mais desenvolvidos do mundo, dotado de uma economia local forte e solidária, proporcionando uma elevada qualidade de vida aos seus cidadãos. A receita é simples: gestos simples, multiplicados por 10.000, podem mudar o mundo! Eu já contribuo para que a comunidade vá sobre rodas. E você?

© Nuno Bento
Estudante de doutoramento em economia da energia na Universidade de Grenoble,
França
nunomcbento@hotmail.com

09-Fev-2008

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